terça-feira

DE PUERTO MADRYN A USHUAIA

4.01.2009 – domingo – décimo-primeiro dia – de Puerto Madryn a 3 Cerros (Argentina). 734 km rodados neste dia, das 9h00h até às 19h40. Tempo total: 10h40 de viagem. 5.679 km desde Brasília, sendo 560 km no Uruguai e 2.149 km na Argentina.


(mensagem do Flávio) - Vamos direto ao diário de hoje.
a) Ventos II – pegamos ventos fortes para valer quase o dia inteiro. Acerca de 100 km de Comodoro Rivadávia, conhecida como a “Ciudad de los Vientos”, a situação piorou! Não tenho aparelho (anemômetro) para mensurar a força da ventania, mas tomando por base nossa vivência em Brasília, onde venta muito, creio que ficou entre 70 e 80 km/h. Fizemos manobras que desafiam as leis da Física, pilotando inclinados para a direita durante bastante tempo. Chegamos a fazer curvas de alta velocidade para a esquerda com a moto inclinada para a direita. Quem pilota sabe como isso é inusitado! Os ventos não sopram continuamente, mas em rajadas longas. Quando acreditamos ter encontrado uma posição confortável (inclinada) para enfrentá-los, eles simplesmente desaparecem e, se descuidarmos, vamos parar no chão ou fora da pista. Acabou sendo divertido no final das contas. Pensei que o desafio seria mais difícil. Lembro, porém, que não estamos no período de ventos fortes que, segundo informações obtidas ontem, vai até o mês de novembro.
b) Oceano da Patagônia – de Comodoro Rivadávia até Caleta Olívia a ruta 3 margeia o litoral. Um cenário belíssimo! Mar extremamente verde à esquerda e montanhas áridas à direita, cobertas por aquele arbusto espinhoso típico das estepes patagônicas. Piscinas naturais entre os arrecifes são característica marcante nesse trecho. A nossa chegada ao local se deu depois de horas a fio pilotando pelas planícies abertas. A beleza do mar serviu para reativar nossas baterias, já meio descarregadas depois da separação do grupo.
c) Em 3 Cerros - nossa intenção era dormir em Caleta Olívia, província de Santa Fé, mas aproveitamos o dia claro para seguir adiante. Lembro que por aqui o sol se põe por volta das 22 h (horário local). Paramos no hotel 3 Cerros, no meio das estepes. Hospedagem excelente para um local tão ermo. O preço é meio salgado, mas bem menor do que os das cidades vizinhas. Mesmo chorando um bom desconto, tivemos que pagar 150 pesos (R$ 105) o casal, sem direito a café da manhã.
d) Fazendo amigos pelo caminho – hoje foi o dia de muitos encontros com outros estradeiros: argentinos, chilenos, ingleses, alemães e brasileiros. Marcará nossa lembrança o bom humor do casal Rui e Teca, de Florianópolis, que viajam de automóvel; e a união familiar de dois motociclistas de Sertãozinho (SP), Adelino e Renato, pai e filho que viajam juntos em duas KTM990. Esses últimos estão vindo do Chile, depois de transitarem por toda a Carretera Austral (mais de 1000 km de rípio e ventania).




5.01.2009 – segunda – décimo-segundo dia – de 3 Cerros (Argentina) a Cerro Sombrero (Chile). 665 km rodados neste dia, das 9 h até às 21h40. Tempo total: 12h40 de viagem. 6.344 km desde Brasília, sendo 98 km no Chile, 560 km no Uruguai e 2.716 km na Argentina.

Passamos uma noite fria em 3 Cerros. A temperatura de madrugada foi de zero grau. Pegamos novamente a ruta 3, a partir das 9 h, encarando 12 graus, que iria piorar logo a frente, nas proximidades de Rio Gallegos, quando o termômetro registrou 6 graus positivos. Com a moto em movimento, a sensação térmica esteve bem abaixo de zero o tempo todo. Tivemos um pouco de trégua na força dos ventos, mas ele continuou lá nos incomodando, vindo do sudoeste andino e nos obrigando a pilotar “empenados” para a direita. O consumo da moto ficou na casa dos 11-12 km por litro. Impressionante a resistência eólica, nos impondo marchas fortes quase o tempo todo. Não raro andamos de terceira ou quarta marcha em velocidade por volta de 90 km/h.
b) Adentramos o Chile às 20 h, após exatos 69 km de Rio Gallegos, pelo Paso de La Integracion Austral, com 6.250 km rodados desde Brasília. Uma pista concretada e maravilhosa nos deu boas-vindas pelos quase 100 km rodados em território chileno. Chegamos à cidade de Cerro Sombrero, onde tem início o famigerado trecho de rípio (e de onde escrevo essa mensagem). Até aqui encontramos diversos motociclistas solitários pelo caminho. A grande maioria viaja em dupla ou em trio. Em quatro, não vimos nenhum grupo até então. Desses diálogos pela estrada, aprendemos que que não há ventos na Terra do Fogo entre 4 e 10 h da manhã. Que deveríamos usar desse horário para atravessar o rípio. Conselho registrado!.
c) Até chegarmos ao Chile, vimos muita chuva no horizonte, mas demos sorte! Excetuando em dois trechos que, somados, totalizaram 40 km (onde nos molhamos pra valer com uma aguinha que parecia ter saído do freezer), conseguimos atravessar incólumes as cortinas de água que caiam do céu.
d) Devo ressaltar que para chegar à Terra do Fogo da Argentina é necessário transitar bom pedaço pelo território chileno e atravessar o Estreito de Magalhães, por intermédio de uma balsa que sai de hora em hora. Novamente a sorte nos ajudou! Chegamos à balsa exatamente no momento em que estava partindo, quase fechando suas portas elevadiças aos veículos. Pagamos 29 pesos argentinos por cada moto pela travessia de meia hora. Um frio de trincar os ossos, de 5 graus. Mar revolto, ventania braba, um balança-mas-não-cai das motos no convés, que tiveram que ser seguras na munheca por nós mesmos. O serviço de transporte não oferece amarras para nenhum veículo, como acontece no Buquebus.
e) Gastamos apenas 1h20 nos trâmites da aduana argentina e chilena. Digo “apenas” porque as filas na fronteira mais parecem as do INSS do Brasil. Muitos ônibus e estradeiros transitando por aqui.
f) Chegamos a Cerro Sombrero sob frio de 6 graus. Dizem por aqui, que quando expostos ao vento, a sensação térmica gira em torno de 15 graus a menos do que a temperatura registrada no termômetro. Eu já peguei frio de 7 graus negativos no Atacama e o daqui é muito pior, posso garantir. Paramos no primeiro hotel que vimos pela frente, ao custo de US$ 65,00. Acho que se me cobrassem US$ 1000 acharia barato! Se continuássemos na estrada, certamente teríamos uma crise braba de hipotermia. (fotos na fronteira Argentina/Chile e na balsa que atravessa o Estreito de Magalhães)





6.01.2009 – terça – décimo terceiro dia – de Cerro Sombrero (Chile) a Ushuaia (Argentina). 567 km rodados neste dia, das 8 h até às 18h40. Tempo total: 10h40 de viagem. 6.911 km desde Brasília, sendo 237 km no Chile, 560 km no Uruguai, 3.144 km na Argentina e 2.970 km no Brasil.
Chegamos, enfim, à Cidade do Fim do Mundo, Ushuaia, a municipalidade mais ao sul do planeta Terra, por volta das 18 h (http://www.flickr.com/photos/24062165@N06/sets/72157608001552789/show/). Uma emoção de arrepiar todas as fibras do corpo e da alma. Infelizmente ou felizmente, cheguei sozinho com minha moto, com a Rosane na garupa. Para quem saiu de Brasília ao lado de outras 3 motocicletas, pareceu estranho aportar no destino maior da expedição, planejada durante 11 meses, sem os companheiros de largada. Na realidade, não cheguei só, mas acompanhado por um casal de ingleses, Steve e Debrah, que viajam em 2 hondas Transalp 650 desde o Alaska. Vou explicar adiante como essas duas pessoas maravilhosas surgiram em meu caminho.
b) Sobre o famigerado trecho de Rípio - choveu a noite toda em Cerro Sombrero, o ponto de início do temido rípio (espécie de cascalho). Preciso aproveitar desse diário para desmistificar algumas coisas. A grande maioria dos relatos da internet aborda esse trecho como um bicho-de-sete-cabeças. Muitos dizem que jamais se deve encará-lo sob chuva. Quando acordamos, estava tudo encharcado e, para piorar, uma chuvinha fina ainda caía sobre a cidade, deixando claro que a situação não iria mudar. Durante o café da manhã no hotel, Dino me avisou que não iria encarar o trecho naquelas condições. Uma TDM com pneu 100% asfalto não sobreviveria ao piso pedregoso e molhado. Ele já havia contatado com uma pessoa que faria o transporte de sua moto de caminhão até San Sebastian, local da aduana Chile-Argentina. Fiquei meio inseguro também, particularmente porque eu e Rosane teríamos que encarar esse desafio sozinhos, sem saber ao certo o que nos aguardava mais a frente.
c) Porém, a sorte habitual que me acompanha apontou a solução. Lá estavam no estacionamento do nosso hotel (Talkeynen) o casal de ingleses Steve e Debrah, montando a bagagem em suas duas motos. Nos aproximamos para perguntar a opinião deles sobre como era trafegar no rípio molhado e, para minha alegria, eles estavam partindo naquele momento para Ushuaia. Pedi para ir junto e fui bem-vindo ao pequeno bonde. E lá fomos nós rípio adentro. Steve foi na frente, conduzindo a moto bem mais devagar que o necessário. No transcorrer dos 138 km desse trecho não-pavimentado, percebi que a maioria dos relatos que li não correspondiam à realidade dos fatos. Esse tal de rípio, neste trecho obrigatório para chegar a Ushuaia, é mamão-com-açúcar mesmo! Até motos esportivas, com o devido cuidado, transitariam por aqui sem qualquer problema. O trecho é melhor que muitas rodovias asfaltadas do Brasil. Dino havia se preocupado à toa. Pegamos uma garoa fina durante grande parte do caminho, fazendo a temperatura cair aos 4 graus, mas com pouquíssimo vento. Eu e Rosane concordamos que foi o trecho mais prazeroso até aqui, por conta das belezas da vegetação, dos guanacos e cordeiros, dos lagos e rios que ladeiam a pista durante o percurso. Uma verdadeira viagem... Em todos os sentidos! No mais, pilotar no rípio molhado é muito melhor que no seco, porque a areia que existe sob o cascalho fica mais compactada.
c) Chegando a Ushuaia – levamos cerca de 2h20 para atravessar o famigerado rípio. Gastamos outras 2 h em dois procedimentos aduaneiros e, quando chegamos ao lado argentino de San Sebastian, a fome e a sede eram de matar. Steve e Debrah, sempre solidários, ficavam nos esperando pacientemente para seguirmos juntos, mesmo no asfalto. Liberei-os desse compromisso porque pretendíamos fazer um lanche reforçado antes de encarar os 310 km pavimentados até Ushuaia. Tivemos que atravessar parte da Cordilheira dos Andes para chegar lá (ou aqui, de onde escrevo esta mensagem), um trecho belíssimo conhecido como Paso Garibaldi. Não tenho qualquer dúvida de que foi o cenário mais fantástico que vi até este momento. A montanhas nevadas, os lagos Fagnano e Escondido vistos das alturas, as árvores e a vegetação totalmente diferentes das que se veem em outras partes do mundo, os rios e córregos nascidos do degelo andino, os pássaros e outros bichos são maravilhas impossíveis e descrever por palavras. Certamente, iremos dormir enlevados por essas belezas.
d) Sobre os ventos – se há muito exagero quanto ao rípio, no quesito “ventos”, percebo que os relatos são bastante fidedignos. Desde Bahia Blanca, a 2.500 km, o vento se tornou um parceiro bastante constante (e indesejado). O pneu traseiro da minha moto encontra-se visivelmente carcomido em sua banda direita. Pilotar “empenado” parece coisa de circo, mas foi fato real na quase totalidade da ruta 3, que nos trouxe a Ushuaia. Depois que passa, tudo vira festa, mas foi um osso duro de roer enquanto estivemos sob os auspícios da ventania.
e) Estou no hotel Ushuaia Green House, no sopé da Cordilheira dos Andes, que contratei pelo convênio da Bancorbrás. Daqui da janela do quarto vejo um punhado de montanhas nevadas. Já sinto pena antecipadamente de ter que deixar esse paraíso daqui a 3 dias.
Obs.: soube há pouco que o Dino não conseguiu transportar sua moto e veio pilotando mesmo. Chegou a Ushuaia por volta das 22 h. Está hospedado no hotel Los Rocios, o mesmo do Zael e Cássia.
(fotos no rípio, dos amigos ingleses Steve e Debrah e das montanhas andinas de Ushuaia)









8 comentários:

Gaitero disse...

Fato: A Xshuaia2009 continua e cumpriu sua meta no que diz respeito a conhecer a cidade mais austral do planeta, El Fin del Mundo!

Estamos em Ushuaia!

Fato: Somos agora quatro integrantes. Todos do motoclube Aguia Solitária. O Flávio continua viagem com seu amigo Dino.

Na medida do possível irei postando nossas experiencias pelo Cone Sul. Mas, nao esperem muita coisa diariamente. Nao dá tempo! Além da dureza de doze horas por dia na estrada, há tanta coisa para se ver e vivenciar que sobra pouco tempo para ficar blogando. Todavia, entrem no meu blog pessoal http://2asas2rodas.blogspot.com/ que vou colocar algumas fotos e textos... Más só amanha, porque está acontencendo uma festa no aubergue que estamos hospedado e já é tarde.

Abraco,
Gláucio.

(Fato: Nao pude blogar no "nosso" blog original. Mudaram a senha.)

Giovani Iemini disse...

oi, aventureiros.
vi as fotos, o roteiro, li o diário e tô aqui em brasília louco de vontade de um dia viver o que vcs tão curtindo agora.
aproveitem ao máximo!

o site tá ótimo, é um bom roteiro para outros aventureiros.

fera. parabéns!

branca de neve disse...

Flávio,

Quem lê o blog fica ancioso para saber mais...Vejo que muita coisa aconteceu, mas o casal FLAVIO e ROSANE sobreviveram aos obstáculos alcançados...Parabéns e aproveitem o passeio, que é inesquecível aos olhos dos aventureiros e supreendente para quem fica em Brasília acompanhando pelo BLOG...

Abraços...

Josiane

Anônimo disse...

Flávio e Rosane, fico feliz de saber que mesmo com todas as dificuldades da estrada e do "caminho" vocês ainda têm disposição e a generosidade para compartilhar conosco essa experiência tão fantástica!!

Paulo Amauri disse...

Dona Ro e Flavão
A persitência é a alma do conhecimento e do deslumbramento de olhar para o desconhecido e maravilhar-se.
Grande abraço
Paulo Amauri - Brasília-07.01.09

Anônimo disse...

Aí Rosane e Flávio, que beleza! Estou acompanhando tudo por aqui. Já estive por aí e sei que esse vento não é brinquedo. E olha que não fui de moto....
Mas vale muito a pena, é deslumbrante.
E Rô, espero que seus equipamentos femininos estejam lhe ajudando bem a sobreviver!
Beijão,
Telma

Carlão - Calibre 30 MC/DF disse...

Amigo Flávio, parabéns por mais essa bela viagem, pela persistência e por nos brindar com relatos tão pormenorizados. Que Deus os proteja sempre e mais. Boa viagem, companheiro.
Carlão - Calibre 30 MC/DF

Nelmar Gomes disse...

Flávio e Rosane,

como muitos aqui já disseram o espírito aventureiro e de compartilhamento de vocês é muito grande. Deixa-nos com uma vontade imensa de também fazer essa viagem ao vivo e a cores, pois viajando já estamos com os relatos impressionantes de vocês. Boa viagem e que Deus os abençoe e acompanhe durante todo o percurso.
Barney ( Lobo Negro Moto Clube)