terça-feira

DE EL CALAFATE A BARILOCHE

(Mensagem do Dino) – Dizem que uma foto pode valer mais que mil palavras, mas creio que nem as palavras, nem as fotos são capazes de retratar a emoção, o prazer que tomam conta da alma e do coração quando nos aproximamos do Glaciar Perito Moreno. O gelo azulado em meio às fendas, picos, se impõem como uma sublime obra da divina natureza e nos convida a refletir sobre nós mesmos, sobre o próximo e sobre nossa trajetória neste universo.

14.01.2009 – quarta – vigésimo-primeiro dia – de El Calafate a 3 Cerros (Argentina). 789 km rodados neste dia, das 7:47h até às 18:07h. Tempo total: 10:02h de viagem. 9.163 km desde Brasília, sendo 890 km no Chile, 560 km no Uruguai, 4.743 km na Argentina e 2.970 km no Brasil.

(mensagem do Flávio)
Deixamos El Calafate sob frio de 7 graus. Choveu a noite inteira e tivemos que pilotar cerca de 90% do trecho de hoje sobre piso molhado. Uma chuva ou outra nos pegou pelo caminho, fazendo cair ainda mais a sensação térmica em cima da moto. Transitamos pela ruta 40 até as proximidades de Rio Gallegos, onde retomamos a nossa já conhecida ruta 3. Tudo como dantes na terra de abrantes! Chuvinha fina, friagem e vento devassando as estepes patagônicas.
Nossa segunda parada para abastecimento se deu em Puerto San Julian, local onde foi celebrada a primeira missa em território argentino, em 1520, por Fernando de Magalhães. Aliás, consta que o explorador luso-espanhol ficou na região por 6 meses. Aproveitei a chance para tirar fotos da réplica em tamanho real de sua caravela “Vitória”. Não me passou pela cabeça que esse tipo de embarcação fosse tão pequena. Difícil imaginar que alguém se atrevesse a desbravar os mares desconhecidos num barco tão miúdo. Sei não, os que vi em filmes de Hollywood pareciam bem maiores!
Chegamos novamente para pousar em 3 Cerros. A cidade fica em ponto estratégico, no meio do caminho de ida e de volta para a Terra do Fogo. Nenhum dos nossos dois pernoites no local foi planejado com antecedência, mas atendeu perfeitamente aos nossos interesses.
Nosso grupo está hospedado no hotel 3 Cerros (todos os oito), que fica localizado no posto de gasolina da YPF. Ontem, quando levei minha moto para fazer uma pequena revisão, em El Calafate, o mecânico que me atendeu deve ter deixado frouxa a contra-porca de ajuste da corrente de transmissão, que caiu pelo caminho. Tivemos que improvisar uma solução com porcas encontradas numa oficina do próprio posto. Numa primeira avaliação, houve desgaste excessivo nos dentes da coroa. As outras XT do Gláucio e do Zael estão também com a relação comprometida. Fizemos uma reunião rápida no início da noite e resolvemos que as “meninas” deixarão as garupas, para reduzir o peso das motos, e irão de ônibus de Comodoro Rivadavia, a 250 km daqui, até Bariloche. (foto da réplica da nau Vitória, de Fernando de Magalhães)







15.01.2009 – quinta – vigésimo-segundo dia – de 3 Cerros a Sarmiento (Argentina). 448 km rodados neste dia em duas etapas, das 7:25h até às 12:22h (até Comodoro Rivadária) e das 18:10 às 20:30h (até Sarmiento). Tempo total: 7:17h de viagem. 9.611 km desde Brasília, sendo 890 km no Chile, 560 km no Uruguai, 5.191 km na Argentina e 2.970 km no Brasil.
a) Saímos de 3 Cerros e seguimos para Comodoro Rivadavia, a Ciudad de los Vientos. Cacilda, véi! Essa questão só piora a cada dia, com o vento cada vez mais forte. Tivemos apenas um dia de paz desde que saímos de Bahia Blanca. Devo confessar que, após 6 mil km, estamos de saco cheio de pilotar sempre com vento vindo em sentido contrário. Temos a sensação de estar rebocando alguma coisa pesada. Difícil acelerar ou obter rendimento nessas condições. Mesmo assim, não deixamos de apreciar a beleza do mar patagônico de Caleta Olívia.
b) Desgaste das Motos - nossa viagem adquiriu características diferentes das dos demais dias. Constatamos repetidas vezes desgaste excessivo em algumas peças essenciais das XT660. A coisa começa a ficar feia pro nosso lado. Concluímos que se tivéssemos feito o caminho inverso, descendo por Bariloche (como o Evânio e o Dalton fizeram), talvez pegássemos o vento a favor. Nossas motos, que em Brasilia chegam a fazer 22 km/l, estão consumindo entre 11 e 15 km/l nessas circunstâncias. Estamos reavaliando a situação duas vezes por dia. A moto do Gláucio teve que trocar a corrente duas vezes e a coroa uma, a preços altíssimos. Os dentes da coroa da minha moto (marca Riffel aço 1045), se dissolveram pelo caminho. Os pneus Mitas e Michelin Sirac também já foram pro brejo, com cerca de 10 mil km rodados. É curioso constatar que já testamos esses equipamentos em outras oportunidades e duraram mais de 20 mil km. Estamos culpando o vento por esses pequenos desastres. O pior é que na Argentina não existe a XT660 e peças de reposição não são encontradas em parte alguma.
c) Mudando a Estratégia da Viagem – embarcamos as meninas de ônibus em Comodoro Rivadavia para cumprirem os 800 km até Bariloche. Rosane e Neila fecharam a parte delas na viagem com 5.800 km de garupa. Aline andou cerca de 200 km a mais. Os homens irão sozinhos nas motos visando reduzir o desgaste da transmissão das XT. A TDM 900 do Dino está zero bala, muito mais econômica que as XT durante toda a viagem. A situação é a seguinte: não existe relação para as motos por aqui (nem corrente, nem coroa, nem pinhão). A corrente da minha moto soltou-se uma vez. Ainda bem que estava atrás de um caminhão, em baixa velocidade, quando aconteceu o fato. Nosso objetivo agora é voltar para o Brasil pelo caminho mais curto. Os 16 mil km previstos inicialmente devem ser reduzidos de forma drástica! Conseguimos comprar pneus novos em Rivadavia, mas, para instalá-los, nós mesmos teríamos que retirar e colocar as rodas da moto. Nem mesmo as lojas que vendem pneus fazem esse serviço. É o fim da picada essa Patagônia! Amarramos os pneus nas motos e seguimos para Bariloche por volta das 18 h.
d) Ventos ainda mais fortes - havíamos sido avisados na concessionária Yamaha, em Rivadavia, que pegaríamos cerca de 600 km de vento frontal, bem mais forte que o habitual, até Esquel. Fomos aconselhados a colocar tampões nos ouvidos, para evitar o “mareamento”. Não demos muita atenção porque já nos considerávamos “doutores” no assunto “pilotar com vento na cara”. Agora sim o bicho pegou pra valer! Sempre achei que os relatos que falam de vento acima de 120 km/h eram fantasiosos, mas já estou acreditando em todos eles. Tivemos que pilotar sob um verdadeiro ciclone extratropical vindo para cima de nós. As motos não rendiam por mais que acelerássemos. Para piorar, enfrentamos tempestade de areia por cerca de 50 km. Paramos em Sarmiento por absoluta falta de condições de pilotagem, depois de apenas 140 km rodados desde que deixamos Rivadávia. Nesta cidade (Sarmiento), constatamos que o motor da moto do Zael está batendo biela. Só uma boa retífica para dar jeito neste problema. A máquina continua andando, mas fazendo um barulho de bate-estaca ensurdecedor.




16.01.2009 – sexta – vigésimo-terceiro dia – de Sarmiento a Bariloche (Argentina). 739 km rodados neste dia em duas etapas, das 7:20h até às 13:40h (até Esquel) e das 20:04às 23:40h (até Bariloche). Tempo total: 9:58h de viagem. 10.350 km desde Brasília, sendo 890 km no Chile, 560 km no Uruguai, 5.930 km na Argentina e 2.970 km no Brasil.
Saímos cedo, acreditando que pela manhã os ventos são menos raivosos. Eles continuavam lá, nos empurrando para trás, mas sem a mesma força dos de ontem. Paramos em Esquel, tentando encontrar uma “solução criativa” para a transmissão das nossas motos. Tivemos excelente atendimento na oficina do Israel, mas a preços salgados! Impressiona o custo dos serviços na Argentina. Encontrei uma coroa meia-boca com 45 dentes (igual a da XT660) e a levamos a um torneiro mecânico para adequar os 6 furos de parafuso que permitiria encaixá-la no lugar da outra. Achei que o problema estaria resolvido para retornar ao Brasil com segurança, mas, 300 km depois, já constatamos marcas evidentes de desgaste. Chegamos a Bariloche apertando e reapertando a corrente a todo instante. Gláucio trocou a corrente de sua moto pela segunda vez e chegou em melhores condições até aqui. Zael já perdeu a esperança de conseguir voltar ao Brasil pilotando. Vai precisar, de fato, retificar o motor de sua XT660.

Dificuldades à parte, o trajeto pelos Andes de Esquel até Bariloche é uma coisa de louco! Esquel é uma estação de esqui muito visitada por pessoas de todo o mundo. Uma cidade pequena ao estilo suíço, suponho. Parecia que estávamos navegando dentro de uma aquarela, tamanha a beleza do sol se pondo nas altitudes andinas (por volta das 21:30 h). Montanhas elevadíssimas e curvas em caracóis dão particularidade ao trajeto. Uma emoção e um frio de lascar tomam conta da gente. Marcaram nossa lembrança as cidades de El Bolson (que acolheu as comunidades alternativas do movimento hippie dos anos 60), El Hoyo e El Epuyen. Esses municípios, e o próprio desenho das montanhas, lembram muito os Alpes. Uma parte européia dentro da Argentina, bordeando os Lagos Andinos, que nos surpreendeu por seu cenário raro. (foto da janela do hotel, em Bariloche e outra na cidade)





17 e 18.01.2009 – vigésimo-terceiro vigésimo-quarto dias – PASSEANDO EM BARILOCHE E ARREDORES


Na manhã do dia 17, eu e Zael tomamos uma atitude drástica: enviar as motos de caminhão até Puerto Iguazu, fronteira do Brasil. Prosseguir sem segurança de chegar seria muito perigoso. Correr o risco de ficar na estrada, sob as condições climáticas que estamos enfrentando, seria uma imprudência da braba. Demos sorte e resolvemos toda a burocracia de despachar as motos logo pela manhã, pela transportadora Via-Bariloche, e fomos curtir a vida de turistas.
Estou relatando uma série de problemas, mas quero deixar claro que todos eles são “café pequeno” diante da grandiosidade da experiência. Estamos muitos tranquilos, sem qualquer estresse. Cumprimos nosso objetivo de ir ao fim do mundo e de conhecer o cone sul das Américas. Quebramos todos os nossos recordes e não temos nenhum interesse de provar mais nada. No mais, já estava certo que as meninas iriam embarcar para casa daqui de Bariloche. O nosso esforço, a partir daqui, seria o de retornar do modo mais rápido possivel. Agora é relaxar um pouco, comprar uma relação nova para minha moto em Foz do Iguaçu e fazer o restante do trajeto até Brasília com muita tranqüilidade. Gláucio e Dino irão pilotando para o Brasil porque suas motos estão em condições bem melhores. Eu e Zael resolvemos assumir o custo da prudência e encarar 46 h de ônibus em duas etapas de viagem a partir de segunda-feira: daqui para Buenos Aires e de lá para Puerto Iguazu.
Voltando ao que interessa... Bariloche é uma cidade linda! Estamos hospedados no hotel Aconcágua (pela Bancorbrás) com vista para o lago Nahuel Huapi, bem próximos ao centro histórico da cidade. Passear a pé tem feito um bem danado depois de 24 dias sentados numa moto. Agora é hora de esquecer dos problemas e degustar nossos últimos dias na Argentina.
No dia 18, fomos fazer um passeio de um dia inteiro pelo circuito dos 7 Lagos, em um serviço prestado por uma empresa de turismo adventure daqui de Bariloche (140 pesos o casal). Fomos a Villa la Angostura e San Martin de los Andes e passamos por diversos lagos belíssimos, envolvidos por picos nevados e bosques encantados de álamos, ciprestes e pinhos. http://www.flickr.com/photos/24062165@N06/sets/72157612985738317/show/
As meninas embarcarão em vôo da TAM às 2 h da madrugada de amanhã. Gláucio e Dino partirão de moto logo cedo, e eu e Zael pegaremos o ônibus às 17:15 h para Buenos Aires. Nossas motos deverão chegar a Puerto Iguazu às 16 h do dia 21, quarta-feira. No Brasil encontraremos as peças necessárias para prosseguir viagem até Brasília. (fotos em Bariloche e lagos andinos)



9 comentários:

Anônimo disse...

Isso é que é aventura! Além de desfrutar de toda beleza e encantamento que a natureza proporciona, ter de tomar decisões rápidas visando sempre o maior resultado. Ô adrenalina boa de jogar no sangue!!! Parabéns a todo o grupo.
Continuamos por aqui virtualmente engajados nessa expedição.
Abraço,
Márcio Medeiros

Fernanda disse...

Flávio, parabéns pra todos vocês pela aventura e pelas decisões difíceis, deixando a prudência dominar a situação. Abraços, Fernanda

Anônimo disse...

É isso aí galera, bola pra frente e curtam muito o restante da viagem.

Grande abraço e muita paz...

Nelmar (Barney)
Lobo negro Moto Clube
Moto & Amizade

Gadelha Neto disse...

Valeu mesmo, galera! Não seria mesmo possível enfrentar uma aventura destas sem alguns contratempos. Venho curtindo muito os relatos e viajando com vocês por estes cenários mágicos!
Flávio,
Precisamos nos ver assim que vocês chegarem para que nossa galera possa ouvir ao vivo sua aventura. Vicente também está se "aventurando" lá pelo Maranhão. Acambam de chegar de Tutóia a São Luís.
Abração
Gadelha

Anônimo disse...

Queridos Flavio e Rosane
Parabens pela maravilhosa viagem!
Acompanhamos vocês nestes dias de deslumbramento e coragem. Valeu!
Obrugado por compartilhar conosco.
Abraços Lucy e Teddy

Márcia Menezes disse...

Flávio, Rosane e equipe, vocês são realmente incriveis.
Parabéns e que Deus os abençoe.
Mil bjins

Márcia Menezes

Anônimo disse...

Beleza de viagem. Ando lendo alguns relatos de viagens desse tipo e estou planejando fazer esse percurso. O relato de vocês foi o primeiro em que vi mecinarem problemas dessa magnitude com as motos. Vários motociclistas optam pela XT 660 para esse tipo de expedição. E eu que estou planejando ir de XRE 300! Será que ela anda no vento da patagônia? Grande abraço e parabéns pelo espírito aventureiro porém responsável.

Flávio Faria disse...

Caro amigo, é difícil encontrar alguém com moto deste porte pelo sul. Vi duas Falcons na oficina, esperando peças do Brasil, mas o vento foi de lascar em janeiro de 2009. De qualquer modo, concentre-se no conta-giros e siga sem abusar do limite da máquina. Acho que deste jeito, num giro confortável, qualquer moto consegue ir até lá numa boa. Flávio Faria

Givoani disse...

Amigo , estive lendo seus relatos e achei muito bom, e gostaria de saber mais, sobre o custo de viagem, combustível,alimentação,pousadas, e se é possível fazer esse trajeto com uma dragstar, uma boulevard, uma Harley e uma cb 500?Mande um email, giovanimarcos.85@hotmail.com, agradeço a atenção.