segunda-feira

DE BARILOCHE A BRASÍLIA




19, 20 e 21.01.2009 – vigésimo-sexto, vigésimo-sétimo e vigésimo-oitavo dias – 3.050 km DE ÔNIBUS DE BARILOCHE-BUENOS AIRES- PUERTO IGUAZU

(Mensagem do Flávio) - Chegamos, eu e Zael, à rodoviária de Bariloche por volta das 16:30 h, depois de perambular muito para fazer hora pelos arredores da cidade. Gláucio e Dino partiram cedo e, sem sombra de dúvida, farão um retorno para casa bem mais agradável que o nosso, pilotando suas próprias motos.
O terminal de ônibus de Bariloche parece um formigueiro de gente. Foi muito legal ver a enorme quantidade de mochileiros muito jovens, sentados no chão com suas tralhas, esperando sua vez de partir. Impressiona o número de pessoas entre 18 e 25 anos explorando o continente sul-americano, viajando de modo alternativo e sofrido. Hoje tenho certeza absoluta que nenhuma experiência torna-se grandiosa se não houver um pouco de sofrimento, um pouco de desconforto. Foi assim conosco, é assim com eles! Assim é na arte, no amor e nas conquistas da existência. Esta aventura não seria tão significativa para nossas almas se tivesse sido realizada de modo confortável, sem adversidades ou contratempos.
A viagem de ônibus por aqui é muito legal, particularmente porque o veículo era tipo semi-leito, de dois andares. A experiência nos tomou de 46,5 h. Foi uma forma diferente de apreciar a travessia da Cordilheira do Andes, de rever Buenos Aires, de revisitar locais onde estive em 2007 e de fazer uma coisa que não fazia desde os 18 anos: viajar de ônibus. Coincidentemente, chegamos no mesmo horário que nossas motos no terminal de Puerto Iguazu. Zael ainda avistou o “ônibus cargueiro” chegando na rodoviária e chutou: “nossas motos estão lá naquele busu”. Dito e feito, estavam mesmo! Montamos nelas antes das 16 h, aceleramos para Foz do Iguaçu, do lado brasileiro da fronteira, e fomos direto para a concessionária Yamaha para colocá-las em condições de seguir viagem para Brasília. Pilotamos exatos 20 km nesse trecho, que elevou a quilometragem rodada por minha moto aos 10.256 km desde que saí de casa. (fotos de Zael no terminal de ônibus, de Flávio na rodoviária, da Galeria Pacifico, em Buenos Aires, e na travessia de volta ao Brasil)





VOLTANDO SOZINHO PARA CASA

22.1.2009 – quinta - vigésimo-nono dia - DE FOZ DO IGUAÇU (PR) A PRESIDENTE PRUDENTE (SP) – 654 km rodados neste dia, das 11:33 h às 19:45 h. Tempo total: 8:12 h de viagem. 11.004 km desde Brasília, sendo 890 km no Chile, 560 km no Uruguai e 5.940 km na Argentina e 3.634 km no Brasil.

(Mensagem do Flávio) - A moto do Zael não teve condições de seguir viagem. O motor fundiu de vez e vai precisar ser retificado. Isso demandará algum tempo e ficar por aqui esperando o conserto não seria muito inteligente, particularmente porque já estamos 1 mês longe de casa. Zael resolveu retornar de avião para Brasília e depois vir buscar a moto. Sendo assim, fiquei sem parceiro para me acompanhar nos 1.700 km que ainda me separam de Brasília. Minha moto só apresentou problemas na coroa e, juntamente com o mecânico da loja, achei que teria boas probabilidades de chegar em casa com ela do jeito que está. Na concessionária de Foz só havia a relação “original” da XT, vendida a preços impagáveis. Troquei óleo, filtros de óleo e ar, as duas pastilhas de freio, ajustei a corrente e tratei de pegar a estrada antes do almoço. Ficamos tristes com a situação do Zael! É difícil imaginar o retorno para casa de outro modo, que não pilotando. Demos um abraço de despedida e sentei o pau na máquina.
Para mim, voltar para casa sozinho foi o desfecho perfeito dessa experiência. O silêncio, a ausência de palavras, a saudade imensa dos filhos, o ir e vir das lembranças mais remotas, a solidão das paradas e dos pequenos lanches pelo caminho me fez navegar por um mundo de meditação profunda. Os olhos ainda estão embriagados pelos cenários infinitamente maravilhosos que vimos. O coração bate acalentado por sentimentos de paz e de amor pelo mundo que nos cerca. Todas as dificuldades de relacionamento por que passou nosso grupo parecem fúteis nesse momento. Sequer consigo me lembrar das reais motivações dos nossos pequenos desencontros. Creio que esse sentimento é comum a todos nós.
Nenhum dinheiro do mundo nos proporcionaria o aprendizado, o deleite e a experiência de vida que essa viagem nos trouxe.
Minhas elucubrações eram interrompidas, vez por outra, nas paradas obrigatórias para reapertar a corrente da moto. (fotos na rodovia, voltando para casa)



23.1.2009 – sexta – trigésimo dia - DE PRESIDENTE PRUDENTE (SP) A BRASILIA (DF) – 1.103 km rodados neste dia, das 5:08 h às 21:48 h. Tempo total: 16:40 h de viagem. 12.127 km desde Brasília, sendo 890 km no Chile, 560 km no Uruguai e 5.940 km na Argentina e 4.737 km no Brasil.

(Mensagem do Flávio) – Inicio o relato de hoje deixando claro que se esse diário foi construído sob minha ótica pessoal. Nosso grupo poderia criar 8 narrativas diferentes, particularmente porque realizamos trechos diferentes, em horários diferentes, com pernoites também em locais diferentes em muitos dias da viagem. Sequer a quilometragem rodada por cada moto foi idêntica à do outro companheiro.
Bom, hoje saí muito cedo de Presidente Prudente já pensando num possível “Plano B” caso a coroa da minha moto me criasse problemas pelo caminho. Minha tática foi a seguinte: seguir até S. José do Rio Preto e lá reavaliar a situação. Por volta das 8 h da manhã já teria confirmação se chegaria ou não em Brasília no dia de hoje. Montei na moto ainda muito escuro. Andei 80 km e a corrente soltou da coroa. Não havia acostamento no local, mas consegui estacionar numa rebarba de asfalto de meio metro ao lado da rodovia. Coloquei o pé esquerdo no chão e senti a moto desequilibrar para a direita. Tentei apoiar com o pé direito, mas não achei o chão e caí sobre um matagal que crescia ao largo da pista. Tudo muito escuro. Visibilidade zero. Tentei levantar a moto sozinho por diversas vezes e aí percebi que estava pisando em cima de um formigueiro de saúvas. Levei diversas picadas na perna. Liguei o pisca-alerta da moto tombada no mato, apontei a lanterna para meu rosto e fui para o meio da pista pedir ajuda. Parou um caminhoneiro bem idoso, que me ajudou a colocar a moto em pé. Tive que esperar o dia clarear para repor a corrente e seguir viagem. Isso só aconteceu pouco antes das 7 h. Pilotei até um posto de gasolina e reavaliei com calma a situação da minha coroa sino-patagônica, adquirida na Argentina numa situação de emergência. Os dentinhos dela pareciam os do Bento Carneiro, o vampiro brasileiro. O aço estava tão mole que seria capaz de abrir um buraco na peça com uma chave de fenda. Não dava mesmo para seguir viagem daquele jeito. A solução me foi apontada pelo atendente do posto, que me garantiu que em Araçatuba eu encontraria uma relação nova para minha moto. O maior problema é que a cidade ficava 70 km fora do meu trajeto. Seriam 140 km perdidos no dia, considerando o trecho de ida e de volta. Mas não havia jeito, segui para lá. Parei na concessionária Yamaha local e não havia nenhum tipo de peça para a XT660. Fiz o deslocamento à toa. Coloquei em prática a única opção que tinha: seguir para S. José do Rio Preto bem devagarinho. Caso não encontrasse a peça, só me restaria rebocar a moto para casa. Mas dei sorte! Achei uma relação completa marca Vaz a R$ 330,00 e antes das 14 h deixei a cidade. Tinha 5 h de luz (até anoitecer) e 730 km para percorrer até Brasília. Deixei de lado as minhas divagações de viagem e resolvi acelerar como nunca fiz na vida. Não vou confessar a velocidade que vim, para não dar mau exemplo para meus filhos. Mas andei no limite da máquina. Apesar do meu esforço, a viagem não rendia o que esperava. Muitos caminhões, chuva de granizo em Frutal, buracos em longos trechos da BR 153 me atrasavam. Cheguei em Aparecida de Goiânia por volta das 19 h. Sequer avancei 20 km e fui surpreendido por uma chuva torrencial que me acompanhou por 220 km. Estava sem roupa de chuva, que havia mandado de volta de Bariloche com a Rosane. Confiei no meu conjunto de cordura e me dei mal! Fiquei encharcado até às cuecas. Um frio danado me fez bater o queixo. Minha obstinação de chegar em casa naquele mesmo dia, a qualquer preço, havia me jogado no terreno da irresponsabilidade. Não havia caminho de volta. Escuridão, chuva, visibilidade próxima de zero. Usei a velha tática de seguir a lanterna dos carros e assim fui, avançando um pouco de cada vez, até as portas de minha casa.
Foi maravilhoso reconhecer Brasília, depois de uma ausência de 30 dias, dos quais 25 passados no exterior. As ruas, as placas, as entradas, pardais e sinaleiros me eram familiares. Cruzei a ponte JK com o piso molhado e me senti em casa. Rosane e Renato, meu filho, me esperavam ansiosos, preocupados com meu atraso de mais de uma hora.
Banho quente, comidinha no ponto, aconchego da família. Voltar para casa, depois de uma experiência tão gratificante, foi o desfecho esperado.
Fico por aqui! Espero que esse modesto relato sirva para outros viajantes e nos ajude a guardar por mais tempo em nossas memórias todos os acontecimentos e cenários dessa aventura pelo Cone Sul das Américas.



Estatísticas da minha aventura - nas minhas contas pessoais, meu percurso foi de 15.177 km no total, sendo 12.127 de motocicleta e 3.050 de ônibus. O país onde mais rodei foi a Argentina, exatos 8.990 km (5.940 de moto e 3.050 de ônibus). Minha moto computou 54 abastecimentos em 50 municípios diferentes de 4 países. Nos 30 dias de viagem, pernoitei em 17 cidades.
Um grande abraço a todos que nos acompanharam. (foto do último nascer do sol na rodovia)

2 comentários:

Gaitero disse...

Amigo,
Fiquei consternado com seu relato dramático da chegada em Brasília. Que sufoco, hen? Mas, ainda bem que no final tudo deu certo. Parabéns pela conquista e pelo retorno ileso ao lar. Eu e o Dino estamos em Uberlândia e seguiremos cedo para casa. Esperamos chegar para o almoço. Então até mais.

Abraço,

Gláucio.

Ferraz e Luci disse...

Prezado Flávio, parabéns ao grupo pela empreitada. Fiz este trajeto também,mas de S-10, em março de 2001. Duvida. Observei que todos tiveram problemas com as XT. Eu tenho uma e aprecio muito o estilo e desempenho da máquina. Vcs trocavam o oleo do motor com qual intervalo de kilometragem?? No manual diz que deve ser trocado a cada 10k , mas acho muito. Outra coisa, a lubrificação da corrente. Faziam de quanto em quanto tempo?? Usavam graxa ou óleo??
Um abraço
Ferraz